O Mendigo da Pracinha

Estava andando na rua esses dias, sem ir para um lugar específico. Apenas andando, espairecendo a cabeça, nem tanto por vontade, mais porque a minha mãe disse que se eu não saísse de frente do computador ela ia jogar o pobrezinho pela janela.

Após tamanha apelação decidi dar uma volta numa pracinha aqui perto de casa mesmo.

A tal pracinha, antigamente conhecida como praça do buraco quente, hoje é muito diferente de seu estado inicial, onde era frequentada por mulheres da vida, se é que me entendem, e traficantes mascarados. Após uma grande revitalização a pracinha mudou os ares, com novos equipamentos, hoje atrai senhoures e senhouras a fim de se exercitarem e também umas crianças remelentas. Mas junto com essa galera, também percebi uma grande movimentação de mendigos.

Um povo barbudo, absolutamente descabelado. Umas vestes de doer a vista, tinha até gente que aparecia de crocs por lá, coisa de pessoa que já desistiu da vida mesmo. Como diria um grande apresentador louro: Muito triste.

Pois bem, caminhei por alguns instantes na pracinha e senti aquele cheirinho malandro de pipoca daquelas carrocinhas. As lombrigas se agitaram dentro da minha barriga como que se fossem a própria pipoca estourando. Enfiei a mão no bolso e ouvi um tintilar, torci para que não fosse provindo apenas do molho de chaves que eu carregava. Então agarrei todo o conteúdo do bolso, num tiro cego, rezando para que algumas moedas viessem junto.

UTÊRÊRÊ, comemorei internamente. A quantia de R$ 4,50 e uns fiapos. Julguei que seria suficiente para sanar a minha vontade.

Fui até o nobre pipoqueiro e perguntei quanto que tava o saco de pipoca:

- Tarde, meu chapa. Quanto que tá a pipoquinha?

- Boa tarde seu moço, o saco com pipoca é R$ 3,00. – respondeu o pipoqueiro com um olhar perdido no horizonte.

- Olha, mê ve um saco de pipoca, então? E quanto tá o refri? – minha boca salivava pela possibilidade de comer uma pipoca com uma Coca-Cola geladinha.

- A bebida é R$ 4,00. – disse o pipoqueiro fincando sua pá naquela montanha branca de pipoca. Primeiro senti chateação, mas então me ocorreu.

- Escuta, senhor, eu moro ali naquele prédio. – apontei na direção, mas o pipoqueiro continuou na sua tarefa. – Será que cê não podia me fazer fiado, não?

- Olha rapaz, vou te falar uma coisa pra você. Caldo de galinha é canja, conversa não é valentia, tudo com dinheiro se arranja, nesta casa não se fia. Tá aqui a sua pipoca e o verso é por minha conta. – o pipoqueiro me entregou o saco com pipocas e eu o peguei constrangido enquanto assistia o pipoqueiro sair.

Rapaz, mas por essa eu não esperava. Peguei a minha pipoquinha e me contive em comê-la sem um refresco mesmo. Andei mais um pouco e avistei um banco, mas pro meu azar estava sentado nele um desses mendigos que eu te falei antes.

Um pessoal que no geral não mexe com ninguém, são bem na deles. Ah, que se dane, eu pensei. Fui em direção ao banco e sentei ao lado do mendigo. Ele se encontrava de braços abertos e cabeça pra trás. Uma barba de deixar o Tony Ramos com inveja e um cabelo sujo preso num coque.

- Com licença. – pedi ao mendigo. Ele nem me olhou, continuou na sua.

Continuei comendo as minhas pipocas pensando na vida. Na situação eu me encontrava num dilema muito complicado entre fazer maratona de uma série ou assistir aos poucos. Percebi que o mendigo abriu os olhos e me encarou alguns instantes.

Logo pensei em assalto, mas depois me ocorreu que ele pudesse estar com fome.

- Ei cara, você gosta de pipoca?

- Você falou em pipoca? – me olhou o pobre diabo.

-Aham.

- Que tipo?

- Pipoca quente e na manteiga. – ora, para quem está morrendo de fome ele me parecia muito exigente.

- Falou “quente e na manteiga”?

- Sim cara, você aceita? – já começava a me arrepender, mas eu sempre aprendi a praticar a caridade.

- Poxa, aceito sim! Muito obrigado. – pedi que ele fizesse uma concha com as mãos e dividi o meu alimento com aquela criatura subnutrida.

Tentei levar um lero com ele e puxar assunto.

- Você tá sempre por aqui?

- Cara, depois que reformaram aqui essa pracinha esse aqui virou o meu lugar preferido. Venho sempre aqui.

- Ah, sim. Entendi. – coloquei mais um punhado de pipoca na boca. – Agora de tarde tá esfriando, né?

O mendigo suspirou e entendi um sofrimento oculto ali. Ofereci o restante das minhas pipocas e perguntei se ele ficaria por ali. Ele disse que passaria mais um tempo e que depois iria pra casa.

Casa. Imaginem só vocês o que aquele ser poderia chamar de casa. Um cobertor? Um papelão? Uma toca improvisada? Quem saberia?

Fui pra casa e minha mãe pareceu satisfeita de poder ter tido um tempo para usar o computador, mais tarde naquele dia eu conheceria a ira de Atajitos, mas nem me preocupei com o computador na hora. Contei a ela sobre o meu encontro e mamãe ficou comovida com o pobre rapaz. Contei sobre a sua condição, as suas vestes e sua aparência.

Sem pestanejar mamãe apareceu com uma sacolinha de blusas antigas, uma marmitinha improvisada num pote de sorvete e um cobertor. Ela pediu que eu voltasse à pracinha e entregasse tudo ao mendigo.

Voltei o mais depressa que pude. Fui ao mesmo banco, mas não o encontrei mais ali. Dei mais uma voltinha e então encontrei o cidadão pronto para deixar a praça.

Chamei por ele, mas ele pareceu não me ouvir. Gritei de novo e então uma moça do lado dele o cutucou e apontou para mim. Eu andava com o passo apertado para ir de encontro com o mendigo e ele percebendo que eu carregava algumas coisas pareceu um pouco surpreso.

- Ei... moço... pera aí – disse eu, arfando e tentando recobrar o fôlego.

- Cara, tá tudo bem? O que tá acontecendo?

- Moço, sei que não é muita coisa, mas queria tentar te ajudar um pouco. Aqui tem um pouco de comida e de agasalhos. O cobertor é meio antiguinho, mas...

- Do quê cê tá falando, mano? – indagou o mendigo. Acho que ele não estava acostumado a receber bons gestos e gentilezas.

- Moço, não se ofenda, por favor. Eu só quero ajudar.

- Ajudar com o quê, mano?

- Meu, não precisa sentir vergonha de receber ajuda. Tipo, sei que é uma ajuda pouca, mas achei que você ia querer, cara. Quando te ofereci as pipocas você pareceu tão satisfeito.

- Mas eu não tô precisando de ajuda. Não sei o que tá acontecendo aqui.

- Cara, desculpa, mas essa barba, esse cabelo ai... Um fedôzinho, essas roupas. Não precisa ter vergonha de ser mendigo.

- MENDIGO, MANO? QUALÉ A SUA?

Percebi que ele estava ficando muito exaltado. Uma vida muito triste, provavelmente envolvendo drogas. Fiquei sem ação. O mendigo então enfiou a mão no bolso e eu pensei que iria morrer ali mesmo com um corte de garrada de pinga na minha jugular. Eis que o mendigo tira um iPhone do bolso e atende.

Mas pera ai? Que, vocês me desculpem o palavreado, raio de mendigo que tinha iPhone? Aliás, que tinha um celular?

Fiquei irado!

- Ô amigo! Que celular é esse ai?

- Mano, cê tá louco?

- Eu já sei do que se trata! Seu falsário! Já vi muita gente da sua laia! Se finge de mendigo, mas é daqueles que tiram mais de 5 mil por mês pedindo esmola, né? Você deveria sentir vergonha de fazer troça com os outros.

Poft. Fui atingido. Um soco em minha face.

Quando acordei eu estava sendo acudido por um pessoal que estava assistindo tudo. De fundo eu podia ver o próprio pipoqueiro com um saquinho de pipoca assistindo tudo, mas sem fazer nada.

Minha mãe apareceu correndo, quase perdendo suas tamancas pelo caminho, como Cinderela fugindo do castelo ao badalar das 12 horas.

Alguns dias depois eu descobri que o rapaz em questão não era realmente mendigo coisa nenhuma. Era de um povo chamado Hipster, inclusive os outros pseudo mendigos da pracinha, que não passavam de bon vivants que gostavam de se vestir precariamente.

O rapaz que eu queria ajudar era até meu vizinho de prédio.


Vejam vocês, vivendo e aprendendo. O importante é fazer o bem, não é mesmo amigos?

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Gestos

O honroso dia que vim a ser cantor de Bingo ou a Odisseia Bingal

Contos Infantis Modernos: Zinho, o zumbizinho