Por essas bandas

         Ainda iniciando no mercado de trabalho eu tinha sonhos e esperanças, como qualquer um que adentra à vida pré-adulta.
     

                Olhava os jornais e seus classificados de emprego. Recém formado da faculdade eu precisava começar logo num emprego. Afinal de contas eu era jovem e o jovem, vocês sabem, só pensa naquilo: Netflix e Spotify Premium.

                Vi um anúncio que chamou a minha atenção:

OPORTUNIDADE DE EMPREGO

Cargo: Auxiliar de Escritório

- Não precisa experiência (Opa, tá pra mim.)

- Trabalho para quem gosta de trabalho. Mas muito trabalho mesmo. (OK, um pouco diferenciado, mas hey, a vida é um morango)

- Dedicação o tempo inteiro. (Vish, meio tenso.)

- Baixa pretensão salarial será um diferencial (Ah, primeiro emprego, né?)

                Peguei o endereço da comunicação e mandei meu CV pra Caixa Postal. Agora era esperar.
                O recrutador então me ligou e marcamos a entrevista.  

No dia marcado fazia um dia de sol daqueles que deixa pizza debaixo do braço. Um horror. Peguei o ônibus, que prometia lotar, mas meus anos de brincadeira da cadeira me serviram bem, então saí correndo e consegui um lugar perto da janela.

Com aquele calorão é claro que deixei a janela escancarada, sai de casa com a franja do Justin Bieber e cheguei no ponto com o topete do Elvis Presley. Mas sem mágoas, estamos ai.

Cheguei na recepção e me anunciei. A recepcionista me olhou de cima a baixo, perguntou se era aminha primeira vez no prédio e então pediu meus documentos.

- Senhor, olha aqui nessa câmera. – pediu a moça. Olhei para aquele pequeno dispositivo e então minha foto foi tirada, essa aí realmente levava a sério o “Gostou? Então tira uma foto.”. A recepcionista pediu então que eu aguardasse para ser chamado. Não demorou muito após aquilo e então veio um senhor ao meu encontro. Já tinha cabelos que mostravam uma idade avançada, entre seus 60 e 70 anos.

Com uma voz rouca e pesada, devido a muitos anos de fumo, me confessara ele mesmo, então me chamou.

Fui levado a uma salinha onde ele pediu que eu sentasse. Começou a fazer algumas perguntas e eu me sentindo no programa da Marília Gabriela.

Bate bola, jogo rápido:

- Por que você quer trabalhar na nossa empresa? – perguntou ele.

- Um sonho. – respondi. Percebi que ele me olhou com o rabo de olho, mas pareceu satisfeito com a resposta.

- Me conta um defeito seu.

- Ah... Um defeito? Humnnnnn...  Sou muito perfeccionista.

- Mas isso é um defeito?

- Ai, eu acho que muita gente considera isso um defeito.

- Me fala então uma qualidade sua.

- Sinceridade.

Eu, por vezes, me perguntava se eu estava participando de uma entrevista ou me aplicando para um relacionamento nesses sites de encontros.

- Aqui na empresa nós bebemos muito café. – que bom pra vocês, pensei eu. – Gostamos de pessoas que bebam café, mas também apreciamos quem faz. Você faz café?

Fiquei pensando com meus botões, mas que raios de pergunta era essa? Mas respondi:
- Nossa, faço café que é uma maravilha.

O que era uma mentira, pois devido a um problema no estômago não bebo café e na verdade nem suporto o cheiro, portanto eu nunca aprendera a fazer café, o que foi a primeira coisa a ser descoberta pelo pessoal do escritório.

O meu entrevistador pareceu satisfeito, após tantas perguntas agradeceu a minha presença e disse que caso a notícia fosse positiva ou negativa, ele me ligaria para avisar.

Felizmente a resposta foi positiva e na semana seguinte eu comecei o meu trabalho.

A coisa começou meio sem pé e nem cabeça, mas é aquele ditado, né? Vam’bora fazendo.
Um mês se passou e eu já estava inteirado da galera, já até agitava uns almocinhos no quilão. Maravilha.

Depois da volta do almoço eu sempre curtia comer um docinho, nunca fui muito chegado em café. Eu sempre tive o costume de ter uma gaveta onde eu deixo algumas guloseimas, não sou chegado em comer muito doce, apesar de gostar de comer, então eu curto comprar uma caixinha de BIS, meus costumes foram percebidos por geral e frequentemente minha gaveta sofria severos ataques por parte do pessoal do escritório.

Em geral eu não ligo, mas outro dia eu voltei do almoço e abri minha gaveta doido pra abrir o novo pacote de BIS que eu tinha comprado. Pra minha surpresa já estava aberto. Sem acreditar eu contei ainda quantos haviam restado, num misto de fúria e surpresa eu gritei:

- QUEM FOI QUE ME DEIXOU SÓ COM 14 BIS?

Sem resposta.

Olha, mesmo de brincadeira eu não curto muito ser zoado. Mas tudo bem, um dia de cada vez e cada dia é uma nova manhã.

Dia seguinte cheguei no escritório e a galera estava reunida na frente do computador do Marquinho que mostrava o vídeo de um pato brincando com um gato. Claro, o gato sendo maior jogava o pato para tudo o quanto que é canto, mas o patinho voltava bravamente ainda para perto do gato.

Todo mundo ria, menos a Luísa, que estava no Canadá.

- Meu, esse pato tá fu... – achei melhor não completar toda a frase, pois se tratava de um ambiente de trabalho.

                Na simplicidade daquele momento eu percebi que era feliz entre os meus colegas.
Mas não há felicidade que dure para sempre ou tristeza que nunca acabe, ou vice e versa. O importante é o que importa, pronto.

Eu precisava entregar um relatório pela tarde e pra ser sincero eu já estava até um pouco atrasado, então sai do meio do burburinho e voltei para a minha mesa. Trabalhei como um louco.

Digitei páginas e páginas de informações que pareciam intermináveis, mas finalmente eu terminara e ainda a tempo. SUCESSO.

Mandei um comando para que a impressora imprimisse o relatório e eu pudesse deixa-lo na mesa do meu chefe. Erro.

Cancelei a impressão e tentei novamente. Nada.

Aquela impressora tava de brincadeira (brinks, se você preferir) com a minha cara. Pedi a um colega meu que tentasse imprimir o relatório. Para o meu desgosto ali também não deu certo. Fomos abrir a impressora e vimos que tinha um papel emperrado e que impedia que outras impressões fossem liberadas.

Agora vai. Erro novamente.

O que foi dessa vez, pô? Dessa vez faltava tinta.

Uma cruzada em busca do novo cartucho se iniciou e meu prazo se apertava. Olha, eu não sei qual o problema dessas impressoras multifuncionais, mas naquele momento eu e meu colega nos tornamos verdadeiros Inimigos da HP, ah, que inferno.

Todos aqueles bons momentos que eu passei de manhã se foram. Entrei numa brincadeira vil de caça e caçador, queria voltar no tempo e mil palavras não poderiam justificar o meu atraso com esse relatório. Mas finalmente eu o havia entregado.

Eu tava tendo um dia daqueles, quase dei um pitty no meio do escritório. Mas daí eu me liguei que todo mundo erra e tem teto de vidro. Após passar por essa situação eu só pensava que era sexta e que eu queria ir pra casa e pensar no trabalho apenas semana que vem.

Chegando segunda-feira no trabalho, renovado, eu estava preparado para um outra semana. Cheguei dando bom dia pro pessoal (você pode preferir pessú) e fui pra minha mesa. Liguei o estabilizador e apertei o botão para ligar o computador. Nada.

Tentei o procedimento novamente e sem sucesso. Logo vi que eu ia ter que chamar o pessoal do TI para dar uma olhada no que estava acontecendo. Liguei no ramal do Maikon e logo ele veio em meu socorro.

Tempo vai, tempo vem, ele já tinha desmontado a minha CPU, que mostrava um monte de placas e fios saindo pelas laterais, parecendo um Aborto Elétrico e eu queria dizer pro Maikon que eu tava com um puta tédio (com um T bem grande pra você), mas achei melhor não criar inimizades. Afinal ainda era cedo e tinha um dia inteiro pela frente, então não adiantava estressar.

Maikon então terminou o conserto e ligou o PC, ufa.

Comecei a minha jornada de trabalho. Estava dando uma olhada nuns documentos e percebi que eu iria precisa de alguns documentos adicionais, o problema é que isso ficava no almoxarifado, que ficava num tipo de porão.

Confesso que eu não gostava muito de ter que ir no almoxarifado, era um lugar abafado e sem janelas, apenas iluminado artificialmente e pouco visitado pelo pessoal.

A necessidade era maior, e tive que descer até lá, afinal. Um cheiro terrível de umidade e uns barulhos que eu bem sabia o que era.

Voltei bufando com os documentos e logo que eu subi a Márcia percebeu a minha cara e perguntou:

- Nossa, tá tudo bem? O que aconteceu? – até pareceu que estava realmente preocupada.

- Ah, é esse almoxarifado ai. Isso é disfarce pra um porão! Mega cheiro de mofo e cheio de ratos de porão! – Márcia fez cara de nojo, e era mesmo pra ter.

Eu não me importo de fazer de tudo um pouco na empresa, mas naquela hora eu queria morrer. Eu acho mais é que tinha que ter alguém pra ficar responsável de ir lá e organizar as coisas.

Deu a hora do almoço, e naquele dia a galera tava com fome. Como manda a regra do quilo, hoje era dia de virado à paulista e comidinhas mineiras. Ou seja, dia de fazer pratão.

Pós almoço voltamos mais parecendo uns mutantes. Eu queria era mais voltar pra casa e me jogar no sofá para ver qualquer bobagem na TV, mas desculpe, babe, a realidade chama.

O final do expediente se aproximava, graças à Deus. Depois de ter trabalhado como um louco, finalmente chegava a hora de voltar para casa. A única coisa ruim era pensar no metrô lotado a essa hora. Que loucura era o horário de pico, onde a gente podia ver às vezes até cenas obscenas, mas eu carregava o olhar de que tudo pode mudar e torcia pelo melhor.

No metrô consegui um lugar, eu estava lendo um livro muito interessante na época, uma loucura sobre uma distopia onde uma jovem enfrenta o governo com arco e flecha, uma história que até poderia ser contada no Brasil na época de colonização.

Como dizem, alegria de pobre dura pouco, então na próxima estação entraram umas freiras e vieram pro meu lado. Não sou muito religioso, mas hey, vocês assistiram Invocação do Mal 2? Eu que não tava afim de criar atrito com freira. Droga, essas velhas virgens, pensei. Com o melhor sorriso que eu pude encontrar e eu digo que não passou de uma carranca eu ofereci o meu lugar. Isso era uma safadeza pura, isso sim.



De pé, continuei lendo o meu livro, e no dia seguinte tudo ia começar de novo por essas bandas.

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